Frank Zappa: Super terça-feira

By Pepe Escobar

Bizz, June 1988


Wembley Arena (Londres) 19/04/88

Nos últimos três anos, a lenda viva Frank “Hot Rat” Zappa largou sua gargantual coleção de guitarras no quarto de seu filho Dweezil é ficou só brincandocom o Synclavier. Pelo menos o L.A. slick boy Dweezil – como demonstrou em Wembley, com um solo de dez minutos em “Chunga's Revenge” – aprendeu alguma coisa corn Daddy. Mas nada como the real thing, e não é por acaso que FZ escolheu justamente o ano eleitoral americano para voltar à estrada.

O show de FZ em sua tour européia-88, Broadway the Hard Way, é absolutamente brilhante. Só podcria ter deixado a platéia de quatro, depois de 2h40 min de música, com civilizado intervalo de meia hora.

Zappa continua sendo o que sempre foi: um implacável comentarista de sua época. Usa sua música para ridicularizar as grandiosas idiotias made in USA – seja na política institucional ou na mídia. Este ano, suas pauladas váo para o Partido Republicano e os grupos de pressão da extrema-direita, renascidos em Deus, com seus pastores eletrõnicos sempre envolvidos em escãndalos.

Na primeira parte do show, FZ e sua banda, escandalosamente top-class, exploram este “conceito”. FZ coloca republicanos e pastores em um circo litero-musical, onde passamos do rhythm'n'blues envenenado para a brincadeira de roda: do travesti de típica balada soul L.A. ou Filadélfia para a paródia de revue da Broadway. FZ é mestre de cerimõnias – o show tem a atmosfera de uma longa jam ininterrupta em estúdio –. manejando sua baqueta, interpolada com caretas cínicas, o carnaval de ruídos extras (alguns tocados, alguns sampleados – todos cõmicos), tudo em um registro entre o sarcástico, o grotesco e o mais absolutamente corny. As letras são de roIar de rir, ridicularizando o moralismo dos pastores de TV, as palhaçadas políticas da era Reagan e, claro, a yupparada que só tem ar quente na cabeça. Os highlights ficam para a sensacional “Planeta das Mulheres Barítonas” e o verdadeiro tratado de política externa reaganiana, “Jesus Acha que Vocé é um Babaca”, onde FZ também comenta a tétrica possibilidade de um evangelista chegar à presidência. Só mesmo FZ para livrar a cara com um verso como “E Jesus vai pensar que eu sou um babaca/ como você/ se você virar um macaco por causa desses pastores de TV”.

A superbanda destrói, com destaque para sua alma black, Ike Willis (guitarra, além de dividir os vocais principais com FZ); os velhos zapeiros Chad Wackerman (bateria) e Ed Mann (percussão); e cinco feras dissolutas na seçáo de metais (Bruce Fowler no trombone; Walt Fowler no trumpete e flugelhorn; Albert Wing no sax tenor e flauta; Paul Carmen no sax alto e barítonoç e Kurt MacGettrick no sax barítono e clarinete). Mais tight do que isso nem em bar de Chicago. 

FZ e seu coletivo extraordinário voltam ainda mais endiabrados do intervalo. FZ anuncia que “vai fazer umas safadezas com três músicas dos Beatles. Não convidamos vocês a acompanhar porque mudamos as letras”. O que temos é uma trilogia pornográfica envolvendo o famoso caso do pastor eletrõnico Jimmy Bakker, que andou sucumbindo às tentações do demõnio e arruinou sua carreira política. FZ e banda destroem “Norwegian Wood”, “Lucy in the Sky…” vira “Louisiana Hooker with Herpes” (“A Prostituta da Louisiana com Herpes”) – só para se ter uma idéia –, a primeira estrofe de “Strawberry Fields Forever” começa com “let me take you down/ cause we're going to/ the Texas motel…”

Tem mais, zappofilos! Uma versão extended, brilhante nos ups and downs instrumentais, do clássico “The Torture Never Stops”, seguido por um clima country e duas investidas em “My Guitar Wants to Kill Your Mama”, e a mega-cult “Willie the Pimp” (faz falta, no entanto, a voz de Captain Beefheart e o violino de Sugarcane Harris). FZ fechou o show com uma espantosa versão de “Stairway to Heaven” – a primeira parte em reggae high-tech, com ruídos suínos, e a segunda como ska. A platéia, zappeana e zeppeliniana (média de idade acima de 30, muitos heavies e bikers), ficou tão maravilhadamente perplexa que mal notou o início da primeira encore: “Why Does It Hurt When I Pee”. Dweezil foi introduzido para “Chunga's Revenge”, solando à la Eddie van Halen. Aquele estilo de guitar-playing, com rushes, floreios, arabescos e intimações hendrixianas, só mesmo com o mestre FZ.

FZ ao vivo não é jazz, não é rock, não é cabaré. É todas as anteriores e mais algumas coisas. Final apoteótico: ”Bolero”, de Ravel, em andamento de reggae e com intervenções circenses. Com uma discografia de mais de 50 LPs, o relançamento de todo seu catálogo antigo em CD, e ainda, em plena ebulição depois de todo isso que aconteceu na história do pop-rock-jazz, tem gente que acusa FZ de megalomania. Shut up, babacas, e deixem o velho Frank play his guitar. E quanto mais no vivo, melhor.

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